quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

STJ - Bem Público - Cemitério Municipal - Majoração de Taxa - Cemitério municipal é bem público de uso especial, seu uso é concedido ao administrado, com possibilidade da majoração dos valores cobrados pela sua utilização, bem como alterar as cláusulas regulamentares da concessão.

Informativo nº 0324
Período: 18 a 22 de junho de 2007.
Segunda Turma
CEMITÉRIO. MUNICIPAL. CONCESSÃO. USO. BEM PÚBLICO. MAJORAÇÃO. TAXA.
O cemitério municipal é bem público de uso especial. Assim, é o Poder Público que detém a propriedade de túmulos. O seu uso é concedido ao administrado. Logo incidem as regras de Direito Administrativo. Deve-se admitir a preponderância do interesse da Administração Pública sobre o do particular. Dele resulta a possibilidade da majoração dos valores cobrados pela utilização do bem público, bem como alterar as cláusulas regulamentares da concessão. Impedir a elevação da taxa anual de manutenção poderia tornar inviável o funcionamento do cemitério, na espécie. Assim, a Turma deu provimento ao recurso. REsp 747.871-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 21/6/2007.





 EMENTA
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – CEMITÉRIO PÚBLICO – BEM PÚBLICO DE USO ESPECIAL – CONCESSÃO DE USO – NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC).
 
1. O ato do Poder Público que permite o uso de cemitério municipal é uma concessão de uso de bem público.
 
2. Ato administrativo regido por normas de direito público.
 
3. Recurso especial provido.
 
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto, com base no permissivo constitucional da alínea “a”, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim ementado (fl. 2.386):
 
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. AUMENTO ABUSIVO DE PREÇOS DE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. CEMITÉRIO MUNICIPAL SÃO JOÃO.  REAJUSTAMENTO ABUSIVO E DESPROPORCIONAL DE PREÇOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. ALTERAÇÃO UNILATERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA. EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO AFETADO. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE CONSUMO. SIMBIOSE CONSTITUCIONAL. INTERFERÊNCIAS IMPREVISÍVEIS – “SUJÉTIONS IMPRÉVUES”.
 
É a natureza jurídica da relação estabelecida que indica qual ramo do direito é que a rege e regula.  Direito, em seu conceito moderno, é fato, valor e norma além de ser a arte do justo e do razoável como o define o STJ. Assim, a conjugação de princípios deve observar a evolução constitucional para se alcançar a conclusão que hodiernamente, a proteção ao consumidor é um axioma constitucional que a lei inferior regula e estabelece com a inclusão das pessoas jurídicas de direito público em seu seio. Relação híbrida de direito administrativo e de consumo a um só tempo. Inteligência do disposto nos arts. 5º, XXII e 170, V, da Constituição Federal e 2º e 3º, da CDC.
 
A modificação unilateral da base contratual de preço pela Administração Pública se possível pela ótica do direito público por ser ínsito ao poder de alteração do contrato administrativo, não pode quebrar o equilíbrio financeiro ou equação financeira do contrato administrativo que tem seu nascedouro na relação estabelecida durante anos.
 
Alterabilidade de cláusulas regulamentares ou de serviço é prerrogativa implícita e impostergável da Administração nos contratos administrativos.  Todavia, ao lado dessas cláusulas, estabelecidas em favor da coletividade a que está vinculada a Administração, existem as cláusulas econômicas, em favor do particular contratante, às quais, ipso facto, são, em princípio, imutáveis, delas dependendo o equilíbrio financeiro do ajuste e a comutatividade dos encargos contratuais.
Interferências imprevistas ou sujétions imprévues dos franceses que são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do contrato que não se fazem presentes a justificar aumento exorbitante de aproximadamente 600% do preço da cessão de uso.
 
Teoria do “fato do príncipe” – determinação que onera substancialmente a execução do contrato administrativo – é o mesmo que justifica a indenização do expropriado por utilidade pública ou interesse social, isto é, a Administração não pode causar danos ou prejuízos aos administrados e muito menos a seus contratados, ainda que em benefício da coletividade. Insuportabilidade dos embargos à espécie.
Embargos desacolhidos.
 
Entendeu o Tribunal  a quo que a hipótese tratada nos autos, concessão de uso de bem público, seria regida pelas normas de direito público, mas com os limites impostos pelas normas de proteção dos consumidores. Assim, considerou abusivo  o aumento de 581,04% relativo à taxa anual de manutenção de túmulo no Cemitério São João, variação observada entre os anos de 1998 e 1999, o que representou, segundo o autor, em valores absolutos, um aumento de R$ 18,93 (dezoito reais e noventa e três centavos) para R$ 128,92 (cento e vinte e oito reais e noventa e dois centavos).
 
Inconformado, o recorrente interpôs recurso especial. Aponta violação dos arts. 535, I e II, do CPC e 2º, 3º, 6º, V, e 39 do CDC, pugnando pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Alega que o caso dos autos está  “fora das hipóteses em que o Poder Público presta serviço ou fornece bens aos particulares”. Subsidiariamente, caso confirmada a incidência do CDC, defende que o aumento verificado não é abusivo.
 
Após as contra-razões, subiram os autos.
 
É o relatório.
 
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): Primeiramente, da análise dos autos verifica-se que o Tribunal a quo bem fundamentou seu entendimento, rejeitando, ainda que implicitamente, a tese defendida pelo ora recorrente, não havendo de se falar em deficiência na jurisdição prestada. Não  está configurada qualquer violação do art. 535 do CPC.
 
No mérito, o que se observa é a existência de consentimento, dado pela Municipalidade, para que particulares utilizem bem público. Com efeito, o cemitério municipal é bem público de uso especial. Nele, é o Poder Público quem detém a propriedade dos túmulos. Apenas seu uso é concedido ao administrado.
 
A questão, assim delineada, não pode escapar da incidência do Direito Administrativo. De fato, a figura acima tratada melhor se enquadra na da concessão de uso de bem público.
 
Hely Lopes Meirelles, com a habitual excelência, leciona:
 
Os terrenos dos cemitérios municipais são bens públicos de uso especial, razão pela qual não podem ser alienados, mas simplesmente concedidos aos particulares para as sepulturas, na forma do respectivo regulamento local. Daí a exata afirmativa de Trobatas de que “a concessão de uso de terrenos de cemitérios é um modo de utilização privativa do domínio público, segundo a sua destinação específica”. Essa concessão de uso é revogável desde que ocorram motivos de interesse público ou seu titular descumpra as normas de utilização, consoante têm entendimento uniforme os Tribunais.
(Meirelles, Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro, 15ª Edição, Editora Malheiros, p. 456)
 
Justino Adriano Farias da Silva segue a mesma linha:
 
(...) o ato jurídico do Poder Público, que permite seja usado o bem público (sepultura) pelo particular com exclusividade, é um contrato, e mais especificamente, uma concessão administrativa. Não se trata de ato jurídico privado, mas verdadeiro ato administrativo
(Farias da Silva, Justino Adriano, Tratado de Direito Funerário, 1ª Edição, 2000, Editora Método, p. 101).
 
Reconheço que ainda há divergência sobre a natureza jurídica do jus sepulchri nos cemitérios públicos. Entretanto, a voz corrente na doutrina é de que sobre ele incidem as regras de direito administrativo.
Dessa forma, deve-se admitir a existência de preponderância do interesse da  Administração Pública sobre o do particular. Ele se manifesta na possibilidade de alterar as cláusulas regulamentares da concessão, incluindo a possibilidade da majoração dos valores cobrados pela utilização do bem público, e no poder de polícia exercido sobre esse bem. Esse poder conferido à Administração encontra limites no próprio direito administrativo.
Nesse sentido, entendo que não é pertinente a aplicação, ao caso, de normas típicas do Direito Privado. Admiti-las seria obstaculizar a atuação da Administração na busca pelo bem comum. De fato, impedir a elevação da taxa anual de manutenção poderia tornar inviável o funcionamento do cemitério.
A esse respeito já me pronunciei anteriormente, deixando assentado que a incidência das normas de direito administrativo excluem as normas de direito privado. A mesma solução deve ser dada à hipótese dos autos.
A propósito, veja o seguinte julgado, do qual fui relatora:
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR PELO FCVS – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC: INEXISTÊNCIA – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC se o julgado, ainda que implicitamente, analisa as teses ditas omissas.
2. Nos contratos regidos pelo FCVS, cujo saldo devedor é suportado por fundo público gerido pela CEF, incidem as normas do Direito Administrativo pertinentes, com exclusão das normas de Direito Privado.
3.  Sendo inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, fica prejudicada a análise da tese em torno da exclusão da taxa administrativa e de concessão de crédito.
4. A constatação de que as prestações não obedeceram às regras do Plano de Equivalência Salarial - PES esbarra no óbice da Súmula 7⁄STJ.
5. Quanto ao saldo devedor, um dos fundamentos do acórdão recorrido (suficiente por si só para manter o julgado), restou inatacado.
Incidência da Súmula 283⁄STF, ficando prejudicada a análise das teses trazidas no especial e o dissídio jurisprudencial correspondente.
6. Inexistência de abstração de tese jurídica em torno da prova pericial. A verificação quanto à necessidade de sua realização depende do exame do contexto fático-probatório.
7. Incide também, quanto à análise de que a aplicação da Tabela Price acarreta capitalização de juros, a Súmula 7⁄STJ.
8. Inatacado o fundamento adotado pelo Tribunal quanto ao recálculo do valor do seguro.
9. Recurso especial improvido.
 
(REsp 793.037⁄RS, Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 10.04.2007, DJ 20.04.2007 p. 333)
 
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para julgar improcedente o pedido inicial, feito em ação coletiva movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
 
É o voto.
 
 
 

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