terça-feira, 24 de abril de 2012

Correio Forense - Esquema: A origem e as entranhas do desvio de milhões dos precatórios do TJRN - Improbidade Administrativa

23-04-2012 10:45

Esquema: A origem e as entranhas do desvio de milhões dos precatórios do TJRN

Pela primeira vez na história do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) dois desembargadores são afastados de suas funções por suspeitas de envolvimento em uma fraude. Na última quarta-feira, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou por unanimidade o afastamento cautelar dos desembargadores Osvaldo Soares da Cruz e Rafael Godeiro Sobrinho que são investigados por participação em um esquema que desviou mais de R$ 13 milhões dos precatórios do TJRN. Para determinar o afastamento cautelar, o ministro do STJ Cesar Asfor Rocha argumentou que há nos autos elementos "suficientes e contundentes" para isto. Essa é, sem dúvida, a maior crise institucional do TJRN.

O esquema de desvio de recursos do setor de precatórios começou na gestão do desembargador Osvaldo Cruz (2007 e 2008). Em janeiro de 2007 Carla Ubarana foi convidada para assumir a Divisão de Precatórios do TJRN com a missão de "reorganizar" o setor. Em seu depoimento à justiça, prestado no dia 30 de março, ela contou queapós um levantamento feito nas contas dos precatórios revelou-se uma quantia que não tinha processo relacionado e, quando levou essa informação ao então presidente do TJRN, teria ouvido dele: "O que a gente pode fazer com esse dinheiro?". A resposta foi o início da fraude: "O que você quiser".

A partir daí deu-se início a uma série de procedimentos fraudulentos que destinavam o dinheiro dos precatórios para a conta de "laranjas" e em seguida era dividido, segundo Carla Ubarana, entre ela e o desembargador Osvaldo Cruz. No depoimento Carla diz que o esquema continuou na gestão do desembargador Rafael Godeiro (2009 a 2010). "Na gestão do desembargador Rafael, Osvaldo me chamou e disse: 'eu quero continuar do mesmo jeito. Tem como fazer com Rafael?' Eu disse que sim". A partir daí, segundo Carla, a divisão do dinheiro passou a ser feita entre os três: ela, Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro.

A maior crise do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte colocou em xeque uma das instituições de maior credibilidade perante a sociedade. A exposição do Poder Judiciário com o envolvimento de dois desembargadores em um esquema milionário de desvio de recursos deixou na sociedade a sensação de insegurança e desconfiança. "E agora, em quem podemos confiar?", é a pergunta que se faz. A desembargadora Judite Nunes, que deu início a todo o processo de investigação, disse na semana passada que todo esse escândalo "tem sido um processo muito doloroso, daqueles que deixam marca na alma". Apesar disso, a desembargadora Judite Nunes afirma que "foi um momento marcante para a administração e bom para os precatórios. O tribunal sai fortalecido".

Juiz auxiliar fez o alerta à presidente

O esquema de desvio de recursos no setor de precatórios começou a ser investigado internamente em setembro do ano passado. Nos bastidores do TJRN comenta-se que o juiz auxiliar da desembargadora-presidente Judite Nunes, Guilherme Pinto, teria alertado sobre procedimentos irregulares no setor. A desembargadora, por sua vez, iniciou uma investigação interna que teria revelado a fraude, mas ainda não em sua totalidade. No dia 10 de janeiro deste ano foram publicadas no Diário Oficial da Justiça a exoneração de Carla Ubarana e a instalação da comissão interna de sindicância, presidida pelo desembargador Caio Alencar, o decanos do tribunal. "Assim que nós percebemos a gravidade dos fatos judicializamos a ação", disse Caio, em entrevista ao Diario de Natal.

O Ministério Público Estadual foi acionado e no dia 31 de janeiro deflagrou a Operação Judas que prendeu Carla Ubarana e seu marido George Leal, além de três supostos laranjas e um funcionário do Banco do Brasil que não foi sequer indiciado. Até então, Carla eraapontada como a mentora do esquema. Foi questão de tempo para que todo o esquema fosse desbaratado. Carla Ubarana e George Leal firmaram um acordo de delação premiada com o MP e entregaram o funcionamento do esquema. Tudo o que foi dito ao MP foi confirmado ao juiz da 7ª Vara Criminal, José Armando Pontes, em um depoimento de quase duas horas.

Rafael e Osvaldo vão ao STJ

Diante das revelações da ex-chefe do setor de precatórios e das provas levantadas no decorrer das investigações, o procurador- geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o afastamento dos desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro de suas funções. Além disso, como o MPE não tem autonomia para investigar magistrados, Manoel Onofre Neto entregou ao procuradoria-geral da República,Roberto Gurgel, as peças do inquérito relacionadas à investigação na Divisão de Precatórios do Tribunal de Justiça, que culminou com indícios de envolvimento dos dois desembargadores. Após a decisão pelo afastamento, os dois desembargadores foram intimados a prestar depoimento ao ministro Cesar Asfor na próxima terça-feira, em Brasília.

Como funcionava o esquema fraudulento

Em depoimento, Carla Ubarana afirmou que agia com o consentimento do desembargador Osvaldo Cruz. O método utilizado para desviar os recursos era variado. Em alguns casos, a divisão de precatórios do TJRN vinculava processos inexistentes à contas judiciais e realizava pagamentos em nome de pessoas que nada tinham a receber. Outra forma de agir era relacionar o número de um processo real a um beneficiário forjado, ou seja, era aberta uma conta corrente em nome de alguém que não tinha absolutamente nada a ver com o processo. Até o momento, a justiça identificou quatro contas de supostos "laranjas" que serviam de passagem para o dinheiro. Os laranjas seriam Carlos Alberto Fasanaro, Carlos Eduardo Cabral Palhares de Carvalho, Cláudia Sueli Silva de Oliveira e Tânia Maria da Silva. Todos foram inocentados por Carla Ubarana em depoimento à justiça. Os pagamentos eram feitos por meio de guias, cheques, ou determinação de transferência bancária. Aos supostos laranjas, Carla e George diziam que o dinheiro era fruto de"medições" realizadas em obras da empresa de George Leal, a Glex Empreendimentos e Serviços Exclusivos.

Segundo o relato de Carla, essas pessoas sacavam o dinheiro de suas contas e entregavam a ela ou ao seu marido, o empresário George Leal. O próximo passo era a divisão do dinheiro entre os envolvidos. Carla Ubaran descreveu em seu depoimento como era feita a divisão do dinheiro. "O percentual nunca foi acertado. Ele (Rafael) recebia na mesma proporção que Osvaldo e até reclamava, dizendo que Osvaldo já tinha recebido por dois anos". A entrega do dinheiro, segundo ela, era feita na garagem do Tribunal de Justiça e até mesmo dentro dos gabinetes dos desembargadores. "Já tive que entregar na garagem. Eu entregava o envelope a ele (Rafael) e ele, já dentro do carro, ia embora".

Casal Ubarana: um luxo só

O destino de todo o dinheiro desviado do setor de precatórios do TJRN ainda não foi revelado, mas o que se sabe até agora é que o casal Carla Ubarana e George Leal levava uma vida de luxo. Em seu depoimento à justiça, George Leal afirmou que o casal gastou R$ 1,2 milhão em viagens, quase sempre para Paris. "Nas últimas viagens nós gastamos mais porque os hotéis são muito caros. No início nós ficávamos em quartos com diárias de dois mil euros, mas já chegamos a ficar em um quarto que custava 11 mil euros a diária. Nós passávamos em média oito dias nesses hotéis".

George explicou ao juiz José Armando Pontes que o dinheiro "extra", proveniente da fraude, era "investido" em carros, imóveis e viagens. Segundo ele, o imóvel de Baía Formosa (hoje avaliado em R$ 3 milhões) foi comprado com o objetivo de se tornar uma "pousada boutique". O primeiro terreno media 80m x 30m e foi comprado porque tinha "uma vista maravilhosa". "Era a vista que eu sempre imaginei, que eu desenhava em um caderno quando era pequeno, quando eu vi aquela vista eu pensei: é aqui. A partir daí eu fiz o projeto que viria a ser uma pousada boutique". Para executar o projeto, George comprou outros dois terrenos vizinhos e ainda duas casas na rua de cima.

A descrição feita por George chama a atenção. "Eu mesmo fiz o projeto dessa casa que seria construída para depois se tornar uma pousada. Eu fiz uma piscina que mede 25mx4m. A casa é toda no travertino [tipo de mármore]. No jardim eu coloquei 84 palmeiras, 25 mil pedras, fiz todo o paisagismo. Nos terrenos de baixo eu fiz um jardim suspenso com uma fonte, coloquei 33 ipês, a casa hoje tem mais de 2 mil metros de grama. É uma casa de alto luxo, uma casa diferenciada. Em Natal não se vê uma casa dessa em canto nenhum".

O dinheiro ainda foi utilizado para comprar carros de luxos como o Mercedes Benz SLS e a Pajero Full que fazem parte dos bens sequestrados do casal.

Desembargadores se defendem

Os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro se declaram inocentes das acusações desde o dia em que tiveram seus nomes citados oficialmente na fraude do setor de precatórios do TJRN. Em nota oficial, Osvaldo Cruz afirmou: "Repudio com veemência e indignação toda e qualquer alegação a respeito do meu envolvimento em atos ilícitos. (#) Esclareço que o procedimento de pagamento dos precatórios realizados durante a minha gestão foi idêntico ao das gestões que me antecederam e sucederam, nos estritos termos da legislação, com o acompanhamento constante do Ministério Público e das Procuradorias Jurídicas dos entes devedores. (#) Coloquei à disposição dos órgãos competentes à investigação os meus dados bancários, fiscais e telefônicos. Oficiei as agências bancárias nas quais possuo conta para que me informem todas e quaisquer movimentações financeiras dos últimos 07 anos"

Rafael Godeiro também negou qualquer envolvimento no esquema por meio de nota oficial. "Em defesa da minha honra, repilo com toda a indignação as mentiras e calúnias dirigidas a mim num depoimento articulado, nitidamente traçado dentro de uma estratégia de defesa. (#)A infeliz situação em que se encontra hoje mergulhado o Judiciário Potiguar é, por si só, uma capítulo que merece ser passado a limpo para que se restaure a confiança na Justiça, sem a qual os indivíduos e os povos reverteriam à barbárie. Se errei foi por confiar demais nas pessoas. Estou pronto a arcar com minhas responsabilidades e espero que todos os envolvidos com esse triste episódio sejam punidos por suas ações, omissões, dolo ou culpa".

Quem é quem

Osvaldo Cruz

Desembargador, foi presidente do TJRN no biênio 2007 - 2008. Ele foi o responsável pela nomeação de Carla Ubarana para o setor de precatórios. De acordo com o depoimento de Carla à justiça, ele faz parte do esquema desde o início assinando guias de pagamentos e cheques em nome de pessoas que não tinham precatórios a receber e com números de processos inexistentes ou duplicados. Segundo Carla, no início o dinheiro era dividido entre ela e o desembargador Osvaldo Cruz.

Rafael Godeiro

Desembargador, foi presidente do TJRN no biênio 2009 - 2010. É citado por Carla Ubarana em seu depoimento como partícipe do esquema. Segundo ela, ele aceitou continuar o desvio de recursos que teria começado na gestão de seu antecessor, desembargador Osvaldo Cruz. Sua participação seria a de autorizar pagamento de precatórios inexistentes, através de guias de pagamento, depósitos bancários e cheques. Carla afirmou categoricamente em depoimento que ele recebia parte do dinheiro desviado.

Carla Ubarana

Ex-chefe do setor de precatórios do Tribunal de Justiça do RN de janeiro de 2007 a janeiro de 2012 e responsável pela elaboração do esquema. Ela era a responsável por todos os processos de precatórios do TJRN. Em depoimento à justiça ela admitiu que foi a responsável pelo modus operandi do esquema. Além de criar números de processos de precatórios inexistentes e duplicar outros, ela era a responsável por indicar as contas dos supostos laranjas para depositar o dinheiro. Carla era a responsável também por dividir o dinheiro entre os comparsas na fraude.

George Leal

Marido de Carla Ubarana, o empresário do ramo da construção teria emprestado sua conta pessoal e da sua empresa Glex Empreendimentos e Serviços Exclusivos para receber dinheiro dos precatórios. Ele também se disse o responsável pela entrada dos supostos laranjas Carla Fasanaro e Carlos Eduardo Palhares no esquema.

Cláudia Suelly Oliveira

Ex-secretária pessoal de Carla Ubarana, cuidava dos horários e atividades dos filhos dela. Em depoimento afirmou que fez vários saques com guias de pagamento de precatório e que sabia que o dinheiro era de precatórios, mas que Carla dizia que entregaria o dinheiro ao destinatário correto. De acordo com o último relatório de sindicância do TJRN, ela movimentou R$ 996.093,00 por meio de depósitos. O dinheiro, segundo ela, era entregue a Carla Ubarana. Responde a processo na 7ª Vara Criminal de Natal e será julgado pelo juiz José Armando Pontes.

Carlos Eduardo Palhares

Amigo de infância de George Leal emprestava sua conta para depósitos de precatórios. Suposto laranja no esquema, teria movimentado, de acordo com o último relatório de sindicância do TJRN, R$ 2.220.291,24 por meio de depósitos, cheques, e tranferências. Responde a processo na 7ª Vara Criminal de Natal e será julgado pelo juiz José Armando Pontes.

Carlos Alberto Fasanaro

Amigo de infância de George Leal emprestava sua conta para depósitos de precatórios. De acordo com o último relatório da comissão de sindicância do TJRN, ele foi o laranja que mais movimentou recursos do precatórios: R$ 8.014.822,60 por meio de depósitos, cheques, e tranferências. Responde a processo na 7ª Vara Criminal de Natal e será julgado pelo juiz José Armando Pontes.

Wilza Dantas Targino

Ex-secretária geral do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi responsabilizada pelo Tribunal de Contas do Estado e pela comissão de sindicância do TJRN como particípe do esquema. Ela deverá responder a processo no Superior Tribunal de Justiça.

Tania Maria da Silva

Responsável por movimentar R$ 115.040,66 dos precatórios do TJRN.

Fonte: Tribuna do Norte e O Poti


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